Ninguém, em nossa cidade de Utah, sabia de onde viera a Condessa; seu inglês impecável indicava que ela não nascera nos Estados Unidos. Pelo tamanho de sua casa e o número de empregados, nós sabíamos que ela devia ser muito rica, mas jamais recebia convidados, e deixava bem claro que, quando estava em casa, era totalmente inacessível (...).
A Condessa sempre andava com uma bengala, não apenas como ponto de apoio, mas como instrumento de castigo para qualquer jovem que ela achasse que o merecia. E,num momento ou em outro, a maioria dos meninos de nossa vizinhança parecia ter essa necessidade. Sendo rápido e permanecendo alerta, eu conseguira ficar fora do alcance de sua bengala. Mas certo dia, quando eu tinha 13 anos, cortei caminho atravessando sua cerca, e a bengala chegou a raspar minha cabeça. ‘Ai!’ gritei eu, pulando para longe dela.‘Meu rapaz, quero conversar com você,’ disse ela. Eu fiquei esperando um sermão sobre os males da invasão, mas, ao olhar para mim, meio sorrindo, ela pareceu mudar de idéia. ‘Você não mora naquela casa verde com salgueiros, no outro quarteirão?’
‘Moro, sim, senhora.’
‘Você cuida do seu gramado? Coloca água nele? Apara-o?’
‘Sim, senhora.’
‘Ótimo! Eu perdi meu jardineiro. Esteja em minha casa quinta-feira pela manhã, às sete horas, e não me diga que tem outra coisa para fazer; eu já vi você vagabundeando às quintas-feiras.’ Quando a Condessa dava uma ordem, era obedecida. Não me atrevi a faltar na quintafeira. Tive que cortar a grama três vezes, até ela ficar satisfeita, e depois ela me fez agachar-me e arrancar os matinhos, até que meus joelhos ficaram verdes como a grama. Finalmente, chamou-me para o terraço.
‘Bem, meu rapaz, quanto quer pelo seu dia de trabalho?’
Não sei. Talvez meio dólar.’
‘É isso que você acha que vale?’
‘É, sim, senhora. Mais ou menos isso.’
‘Muito bem. Aqui estão os 50 centavos que você diz que vale, e aqui o dólar e meio que eu ganhei para você empurrando-o. Agora vou dizer-lhe como é que nós dois vamos trabalhar juntos. Há inúmeras maneiras de se cortar a grama, e elas podem valer de 1centavo a 5 dólares. Digamos que um trabalho de 3 dólares seria o que fez hoje, se tivesse feito tudo sozinho. Um trabalho de 4 dólares seria tão perfeito que você seria um bobo, se passasse tanto tempo assim trabalhando num jardim. Um trabalho de 5 dólares é—bem, isso seria impossível, portanto esqueçamos essa parte. Bem, vou
pagar-lhe, cada semana, de acordo com sua própria avaliação do trabalho realizado.’
Saí de lá com meus 2 dólares, mais rico do que jamais me sentira em toda minha vida e determinado a conquistar 4 dólares na semana seguinte. Mas não consegui nem mesmo alcançar a marca dos 3 dólares. Comecei a fraquejar na segunda rodada de limpeza.
‘Dois dólares novamente, hein? Esse tipo de trabalho o coloca em perigo de ser despedido, meu jovem.’
‘Sim, senhora. Mas trabalharei melhor na próxima semana.’
E, de alguma forma, eu consegui. Na última rodada de limpeza do jardim, eu estava exausto mas, não sei como, forcei-me a continuar. No entusiasmo daquela nova sensação, não hesitei em pedir 3 dólares à Condessa. Todas as quintas-feiras, durante as quatro ou cinco semanas seguintes, variei entre 3 a 3 dólares e meio. Quanto mais me familiarizava com o jardim, lugares onde a terra era
mais alta ou mais baixa, pontos onde a grama precisava ficar bem baixa ou um pouco mais alta nos cantos, para que as curvas do jardim ficassem mais bonitas, mais eu me conscientizava do que consistia um jardim de 4 dólares. E toda semana eu me decidia a realizar aquele tipo de trabalho. Mas, quando alcançava a marca dos 3 dólares e meio, estava cansado demais até para me lembrar de que tivera a ambição de passar daquele ponto.
‘Você me parece um bom e constante menino de 3 dólares e meio’, dizia ela, ao me entregar o dinheiro.
‘Acho que sim.’ dizia eu, feliz demais com a visão do dinheiro para lembrar-me de que minha meta inicial fora mais alta.
‘Ora, não fique muito triste,’ ela me consolava. ‘Afinal de contas. existe no mundo apenas um punhado de gente que seria capaz de fazer um trabalho de quatro dólares.’
E essas palavras, a princípio, eram um consolo. Mas, pouco a pouco, sem que eu percebesse o que estava acontecendo, esse consolo começou a me irritar, fazendo-me decidir que executaria um trabalho de 4 dólares, nem que isso me matasse. No calor de minha decisão, via-me expirando no jardim, com a Condessa curvada sobre mim, estendendo-me os 4 dólares com lágrimas nos olhos, suplicando-me perdão por pensar que eu não era capaz de alcançar aquela marca.
Foi no meio de uma dessas visões, numa noite de quinta-feira, quando eu estava tentando esquecer a derrota daquele dia e dormir um pouco, que a verdade me atingiu como um raio, fazendo-me sentar na cama, quase sufocado pela emoção. Era o trabalho de 5 dólares que eu precisava realizar, não o de 4! Eu tinha de fazer o trabalho que ninguém mais conseguiria, por ser impossível!
Tinha plena consciência das dificuldades que me esperavam. Havia o problema, por exemplo, dos ninhos de minhoca, na terra. Talvez a Condessa nem os tivesse notado, pois eram muito pequenos. Mas, com os pés descalços, eu sabia a respeito deles, e precisava dar um jeito. E poderia continuar a aparar os canteiros com a tesoura, mas sabia que um trabalho de 5 dólares exigia que eu marcasse as bordas dos canteiros com uma linha esticada entre duas pedras, para cortar com exatidão, em linha reta. E havia outros problemas que apenas meus pés e eu conhecíamos.
Iniciei na quinta-feira seguinte, passando um rolo pesado sobre os ninhos de minhocas.
Após duas horas fazendo isso, já estava pronto para terminar meu dia! Eram apenas nove horas da manhã, e minha força de vontade já estava desaparecendo! Foi por acaso que descobri como reconquistá-la. Sentado debaixo de uma nogueira, para descansar alguns minutos, caí no sono. Quando acordei, instantes mais tarde, o jardim pareceu tão bonito a meus olhos descansados, e a terra tão gostosa debaixo de meus pés, que desejei ardentemente continuar o trabalho.
Segui esta fórmula secreta durante todo o dia, cochilando por alguns minutos no final de cada hora de trabalho, para renovar minha perspectiva e minhas energias. Entre cochilos, passei o cortador de grama quatro vezes, duas no sentido do comprimento e duas no sentido da largura, até que o gramado ficou parecendo um tabuleiro de xadrez, feito de veludo.
Depois, cavei ao redor de cada uma das árvores, retirando os pedaços duros de terra e desmanchando-os com as mãos, para depois passar o aparador, de forma regular e simétrica. Em seguida, cortei a grama que crescia entre as lajes que compunham o caminho principal.
Fiquei com as mãos feridas de segurar a tesoura, mas o caminho nunca pareceu tão bonito. Finalmente, lá pelas oito horas da noite (...) tudo estava terminado. Estava tão orgulhoso, que nem me sentia cansado, quando bati à porta.
‘Bem, como foi hoje?’ ela perguntou.
‘Cinco dólares,’ respondi, tentando manter-me calmo e frio.
‘Cinco dólares? Você quer dizer, quatro, não é? Eu lhe disse que um trabalho de cinco dólares era impossível.’
‘Não, não é. Acabei que realizá-lo.’
‘Bem, meu jovem, o primeiro jardim de 5 dólares da história, certamente merece uma
observação cuidadosa.’
Caminhamos pelo jardim juntos, à última luz da tarde, e até mesmo eu estava duvidando da possibilidade de fazer o que havia feito.
‘Meu jovem,’ disse ela, colocando a mão no meu ombro, ‘o que foi que o levou a fazer uma coisa tão louca e maravilhosa?’
Eu não sabia o que fora, mas, mesmo que soubesse, não poderia ter explicado, em meio ao entusiasmo de ouvi-la dizer que eu havia feito.
‘Acho que sei,’ continuou ela, ‘como você se sentiu, quando teve a idéia de realizar um trabalho que eu lhe dissera ser impossível. A princípio ficou muito feliz, e depois um pouco amedrontado. Não é verdade?’
Ela percebeu que estava certa, pela surpresa em meu rosto.
‘Eu sei como se sentiu, porque a mesma coisa acontece com quase todo mundo. As pessoas sentem este impulso de realizar uma grande coisa. Sentem uma enorme felicidade, mas esse sentimento passa, porque elas dizem: “Não, não vou conseguir.
Isso é impossível.” Sempre que algo dentro de você disser “É impo ssível”, lembre-se de fazer um exame cuidadoso. Veja se não é realmente Deus que lhe está pedindo que cresça um centímetro, ou um metro, ou um quilômetro, para que você alcance uma vida mais plena.
Desde aquela época, cerca de 25 anos atrás, quando me sinto em um beco sem saída, diante do aparecimento daquela palavra ‘impossível’, experimento novamente o inesperado impulso, um salto dentro de mim, sabendo que o único caminho possível passa bem pelo meio do impossível.” (Richard Thurnam, “The Countess and the Impossible”, Reader’s Digest, junho de 1958, pp. 107–110.)
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